Os Ancestrais

A partir das pesquisas teóricas e imagéticas realizadas pela Seita no período de um ano em torno dos Pânicos Coletivos, Os Ancestrais apareceram como visões súbitas. Seriam somente abstrações advindas da cosmovisão desenvolvida para o projeto, mas ergueram-se pelos anseios, contra os medos e as inseguranças: opressões hegemônicas projetadas sobre o corpo marginal e estranho, que resiste por meio dos próprios mistérios contra a lógica violenta da urbanidade. E é também pela necessidade de compreender os próprios mistérios que essas figuras apareceram, como forma de alicerce para os artistas reunidos na elaboração desse culto. Os Ancestrais são um panteão de entidades, de modo que representam as aspirações do culto, assim como a produção de uma memória marginal.

Sobre as obras

A respeito das obras em específico, as temáticas sobrescrevem a elaboração das entidades. Por isso, o polimorfismo de elementos sobre elas é construído segundo as assimilações teóricas possíveis, bem como os ideais sintetizados a partir do batismo de cada uma dessas entidades:
A Encantada como subversão através dos saberes e da memória, capaz de acessar os mistérios.
A Alvejada um arquétipo da bruxa, questionável estereótipo de perseguição, sendo ela alvo de forças hegemônicas
O Coroado como representação messiânica, ao mesmo tempo de vitória ou derrocada, que faz sua ascensão por meio do próprio corpo.
A Sentinela como função de vigilância e proteção, uma guardiã.
O Imortal como representação do ciclo de renascimento, bem como a compreensão dos ciclos para a comunicação das existências.
O Seccionado uma alusão ao sacrifício na Seita ou a personificação das limítrofes do corpo humano.
O Leito um receptáculo, ao mesmo tempo musa, meretriz ou divinatória, que conforta e provoca gozo.
A Profetisa, última das entidades, guia para o futuro apesar da incerteza, sendo um arauto para os marginais.

Processo Criativo

A criação das ilustrações se realizou de maneira digital, de modo que elas foram inspiradas por arquétipos politeístas e suas iconografias marcadas pelo simbolismo polissêmico. O estilo da série foi construído por traços dissonantes, efetuados com os dedos por meio da tecnologia de tela tátil presente em smartphones e tablets. As cores azuis e vermelhas, em contraste ao fundo preto, auxiliaram na narrativa hermética das figuras. Suas formas são apenas sugeridas.
Essa escolha de segmento técnico sugere o movimento por meio da imagem fixa, inspiração advinda de pesquisas sobre a produção simbológica desenvolvida na pré-história entre o período Paleolítico Superior para o Neolítico, e que é caracterizada por representações pictóricas com intenção ritualística em paredes de grutas e cavernas. As formas de arte eram o ritual de magia com qual se estabelecia forte relação entre semelhança pictórica e poder de ação sobre o que era representado.
Inspirado por isso, Os Ancestrais evocam a ancestralidade como prática de sobrevivência na contemporaneidade. Suas figuras, entidades de gênero dúbio, formam uma seita que tem a intenção de inspirar marginais a provocarem as concepções de urbanidade a partir do reconhecimento dos pânicos coletivos, que perpassam práticas de desigualdade e extermínio sobre populações vulneráveis dentro da cidade.

Ficha Técnica

Ilustrações: Henri Ferraz.
Conceito e narrativa: Henri Ferraz e Mandú.
Modelos: Eduardo Fernandes, Henri Ferraz, Mandú, Mariana Thaís, Morgana e Will S. Sousa.

Referências

Arnold Hauser (1951). História social da arte e da literatura. São Paulo: Mestre Jou.
Carla Machado (2004). Pânico Moral: Para uma Revisão do Conceito. Interações: Sociedade e as novas modernidades. Disponível aqui.
Ana Pato e Laura Castro (2016). Como se faz um marginal?. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. Disponível aqui.
Martin Kathleen (2020). O livro dos símbolos: reflexões sobre imagens arquetípicas. São Paulo: Taschen do Brasil.
Esta imersão digital é parte do Cultos Marginais, projeto nº 37/2022 beneficiado pelo Edital n° 001/P/2022 de Criação e Temporada do Fundo Municipal de Cultura de São José dos Campos. O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva dos autores e não representa a opinião dos membros do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Cultura ou da Fundação Cultural Cassiano Ricardo.
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