Presságio

No dia em que nos conhecemos na Seita, enquanto este culto começava a germinar nos porões da cidade, passamos a ansiar pela realização de um rito através do grafismo. O êxtase da pentalogia As Aparições nos cativou a imaginar cada uma das aparições se transportando para a realidade das cidades através de suas marginalidades, mundo de tormentas, onde somente os elementos da natureza dariam força para que As Aparições irrompessem medos. Eis o Presságio, título da série, a figuração de um imaginário.

Sobre as obras

Esta é uma série de seis obras, realizadas por meio de três suportes: sobreposição com folhas de papel manteiga, uso de papel artístico e papel kraft.
Interpostas simultaneamente por Dae Lee e Henri Ferraz, as obras narram a conceituação das aparições conforme a Seita desenvolvia seus figurinos. Desta forma, se compreende que a realização desta série ocorreu anteriormente às performances, de modo que pudemos elaborar criativamente uma leitura das aparições. Um rito precedendo o culto. Às vezes, de acordo com seu performer. Outras vezes, conforme o propósito.
Aloídas: intertexto com o mito das figuras gigantes da mitologia grega, célebres pela audácia de realizar uma grande escada para tentar invadir o Monte Olimpo, a obra traz um retrato a lápis de Henri Ferraz e Dae Lee.
Cruviana: expressão advinda dos territórios de Makunaima acerca de uma entidade guardiã dos ventos, seu mistério cativou a realização desta obra inspirada nos croquis da primeira performance: O Migrante e seu Lavrado. Para isso, foi utilizada uma sobreposição de desenhos em papel manteiga, que compuseram camadas de esboços em tinta acrílica fosca e carvão vegetal.
Baobá: árvore formada por uma ramificação peculiar de galhos e ramos, foi referência imprescindível para a confecção visual da segunda performance: A Enlutada e seu Presépio. Nesta obra, a imagem do baobá se faz presente ao integrar uma figuração sufocante em que copa e raízes se confundem. Para a composição desta obra, utilizamos carvão vegetal.
A morte de Audumbla: composição inspirada na terceira performance, O Pélago Putrefato. Nomeada, no entanto, conforme o mito nórdico a partir das assimilações poéticas que surgiram com a finalização desta obra. Audumbla era o nome da vaca sagrada que, quando morta pelos mortais, gerou um dilúvio de sangue sobre toda a Terra. A pintura foi realizada com tinta acrílica fosca e tinta óleo.
A Moça Tecelã: título inspirado no conto de Marina Colasanti, esta arte em tinta relevo faz alusão à performer K8 Valença e os croquis de A Tecelã Incendiária, quarta performance da pentalogia As Aparições. Refletindo acerca dos fios da tecelã, a figura de uma aranha humanoide nos apareceu. Sua composição se dá por uma sobreposição em papel manteiga e tinta acrílica fosca.
Banshee: criatura da mitologia celta, as banshees são notórias pelo seu grito agônico e perturbador. Para esta obra, realizada com giz em papel kraft, a inspiração adveio dos croquis para a última performance: A Dama que Chora. Inspirados pelos ensaios de Guia, performer desta quinta aparição, nos interessamos pela interseção da performer como cantora e a criatura mitológica. Por isso, a boca é não somente um canal sônico de perturbações profundas, mas também um fosso agonizante no espaço que a A Dama ocupa.

Processo Criativo

Em Presságio, pudemos não somente mesclar diferentes experiências gráficas, mas também cruzar poéticas. O desenvolvimento das obras decorreu de um processo ritualístico verbal em que um soprava para o outro o que esboçar, de modo que este outro transpunha a mensagem para uma figuração no papel conforme fosse interpretado o que lhe foi sugerido.
Punidos pela tentativa de invadir o Olimpo e destronar os deuses, Aloídas foram aprisionados e amarrados um ao outro no inferno. Ele desenhou com as mãos dela. Ela desenhou com as mãos dele. À medida que o inferno crescia sobre a terra, Presságio nos chegava.

Ficha Técnica

Produção das obras: Dae Lee e Henri Ferraz.

Referências

Emil Nolde (1913). A dançarina.
Anita Malfatti (1915). Ritmo/Torso.
Anita Malfatti (1916). O homem de sete cores.
Candido Portinari (1944). Enterro na rede.
Yves Klein (1960). Silhuetas.
Ivan Serpa (1964). O grito.
Roberto Magalhães (1964). Gritando.
Georges Perec (1974). Especies de espacios. Barcelona: Montesinos. Disponível aqui.
Kiki Smith (1994). Lilith.
Adriana Varejão (2000). Azulejaria verde em carne viva.
Guacira Lopes Louro (2004). Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica.
Rosana Paulino (2006). Soldados.
Maria Luísa Magalhães Nogueira (2013). Espaço e subjetividade na cidade privatizada. Disponível aqui.
Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Thomas Rohrer (2014). Encarnado.
Elza Soares (2015). A mulher do Fim do Mundo.
Jaider Esbell (2021). A visita aos Ancestrais.
Esta imersão digital é parte do Cultos Marginais, projeto nº 37/2022 beneficiado pelo Edital n° 001/P/2022 de Criação e Temporada do Fundo Municipal de Cultura de São José dos Campos. O conteúdo desta obra é de responsabilidade exclusiva dos autores e não representa a opinião dos membros do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Cultura ou da Fundação Cultural Cassiano Ricardo.
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